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Grupo TRAMA da UFSCar investiga o trabalho rural a partir de uma visão crítica

Grupo TRAMA da UFSCar investiga o trabalho rural a partir de uma visão crítica

Mariana Ignatios – Publicado em 29-03-2017 10:04

Completando 10 anos, Grupo Trama lança novo site para dar maior visibilidade aos seus trabalhos

Analisar criticamente o trabalho rural e temáticas relacionadas é a proposta do Grupo Trama (Terra, Trabalho, Memória e Migração), criado por professores e pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). “O grupo completa 10 anos em 2017 e aglutina pesquisadores de outras instituições de ensino superior do Brasil e da América Latina em torno do trabalho rural”, explica a coordenadora do grupo Maria Aparecida de Moraes Silva, professora convidada do PPGS e pesquisadora sênior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

A coordenadora conta que a proposta de criação do grupo, que hoje tem cerca de 15 integrantes, vem ao encontro do fortalecimento da pesquisa relacionada à situação do trabalhador assalariado rural que, em geral, é pouco explorada no Brasil. As pesquisas desenvolvidas pelo Trama se articulam em torno de uma perspectiva multidisciplinar, tendo como foco principal a morfologia do trabalho rural sob a égide das transformações ocasionadas no contexto histórico do capitalismo globalizado, produtor de commodities – açúcar, etanol, flores, laranja. “Pesquisamos o trabalhador rural, buscando entender a dinâmica do agronegócio e circunstanciando temáticas que envolvem este assunto como gênero, migração, memória, condições de classe, exploração, direito, precarização e vulnerabilidade”, explica Maria Aparecida.

Lembrando de algumas pesquisas que já foram feitas pelo grupo, ela cita uma que realizou no Maranhão, na região dos Cocais, em 2007, que abordou o fluxo migratório de lá para o Estado de São Paulo, sobretudo para o trabalho no corte de cana-de-açúcar. “Sabemos que 90% dos trabalhadores do Estado de São Paulo são migrantes, principalmente da região Nordeste do País. Então uma preocupação nossa também foi entender a realidade do local de origem destes trabalhadores que vem para cá trabalhar no agronegócio”, detalha a docente.

A questão de gênero também aparece nos estudos do grupo. Em um deles, abordou-se a questão das mulheres trabalhadoras rurais. “Há muitas mulheres migrantes que, em geral, são mães de crianças pequenas. Algumas delas têm um pedaço de terra para cultivar e, ao mesmo tempo, se dedicam ao trabalho assalariado nos canaviais ou outras culturas em São Paulo. Além disso, algumas também cuidam de seus maridos, que trabalharam durante anos, além de suas condições físicas, e que foram descartados do trabalho rural por doenças graves que os impossibilitam de continuar atuando no agronegócio”, relata a pesquisadora. Todo esse contexto é considerado nas análises do grupo.

No final do ano passado, a pesquisadora Juliana Dourado Bueno defendeu a tese de doutorado “Sobre rosas e espinhos. Experiências de trabalho com flores na região de Holambra (SP)”, na qual buscou compreender como as expectativas de gênero reforçam a desigualdade na atribuição das atividades produtivas, na medida em que as mulheres são destinadas às tarefas de plantio, corte, classificação e embalagem, enquanto os homens são direcionados às atividades de coordenação da equipe, aplicação de venenos e transporte das plantas. Diferenças que implicam em uma hierarquia salarial com valores mais altos para os homens. “Acredito ser um trabalho inédito, pois não temos estudos sobre mulheres na produção de flores no Estado de São Paulo, que é o maior produtor de flores do País”, relata Maria Aparecida.

Outra questão presente nas discussões do Trama é a superexploração da força de trabalho que foi tema, por exemplo, da pesquisa de doutorado “Os saltos do ‘canguru’ nos canaviais alagoanos. Um estudo sobre trabalho e saúde”, conduzida pelo pesquisador Lúcio Vasconcellos de Verçoza. O projeto abordou as condições de trabalho na agroindústria canavieira alagoana e seus reflexos sobre a saúde dos trabalhadores. Lúcio verificou que os altos níveis de exploração aos quais os trabalhadores são submetidos (como a exigência de 8 a 10 toneladas de cana cortadas por pessoa por dia, em Alagoas) causam profunda desidratação e fortes câimbras no corpo que travam as pernas, barriga e braços, fazendo com que eles fiquem imobilizados com o braço colado junto ao corpo em posição parecida com a dos cangurus, podendo culminar em morte por ataque do coração. “Foram feitas análises clínicas, testes ergométricos por médicos e fisioterapeutas e constatou-se que os trabalhadores que são acometidos pelos ‘saltos do canguru’ trabalham acima das condições suportadas pelo seu corpo, ou seja, são superexplorados”, afirma Maria Aparecida. O trabalho levou o prêmio de melhor tese no 7° Encontro Nacional da Rede de Estudos Rurais, no final de agosto de 2016, e será publicada em formato de livro neste primeiro semestre.

Buscando abordar a temática da memória, Alice Miguel de Paula Peres, em sua tese “[Re] Descobrindo outros mundos rurais por detrás dos canaviais: um estudo sobre o bairro rural de Anhumas – município de Piracicaba SP”, investigou as transformações sociais que ocorreram em um antigo bairro rural localizado no município de Piracicaba (SP). Neste projeto foi possível resgatar toda a memória de antigos pequenos proprietários do local, onde há muitas ocorrências de festas e tradições populares do mundo rural, que praticamente desapareceram nos dias de hoje em decorrência do avanço da cultura canavieira.

Uma das pesquisas em andamento enfoca os trabalhadores da mineração nos Andes, expostos a altos níveis de contaminação por chumbo, além dos malefícios causados aos moradores da região pela contaminação da água e da terra. O estudo “Mineração contra a vida: O caso da resistência da Comunidade Camponesa de Rancas frente o capitalismo mineiro em Cerro de Pasco (Perú)” é conduzido pela pesquisadora peruana Lourdes Eddy Flores Bordais e tem a orientação da professora Maria Aparecida. Também em desenvolvimento está o estudo de doutorado de Tainá Reis que analisa a situação dos trabalhadores do Vale do Jequitinhonha (MG) acometidos por graves doenças em virtude do excesso de trabalho, por longos anos, nos canaviais.

Em todos os estudos, uma visão crítica e política se une à investigação acadêmica. “Percebemos que a tendência brasileira é glorificar o agronegócio, vendido como uma bandeira positiva. O agronegócio é o salvador da pátria neste País, onde tudo mais está errado; e nós sabemos que a realidade não é bem assim. O que o Grupo Trama busca, com suas pesquisas acadêmicas e sua visão crítica, é desmontar este falso discurso, por meio de pesquisas que revelam os subterrâneos de uma história de superexploração, sofrimento e injustiça social. Trabalhadores superexplorados, condições degradantes de trabalho que se assemelham, em diversos casos, à escravidão; além dos prejuízos ambientais relacionados ao agronegócio. São pesquisas de importância acadêmica carregadas de crítica política”, finaliza a coordenadora do grupo.

Em comemoração aos seus 10 anos, o grupo Trama lança neste mês seu novo website, o www.trama.ufscar.br. A intenção é facilitar o acesso a conteúdos revelantes e informações sobre as pesquisas e atividades realizadas pelo coletivo.

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O Grupo TRAMA (Terra, Trabalho, Memória e Migração) dedica-se à pesquisa acadêmica e extensão. Está no PPGS da UFSCar, e é coordenado por Maria Ap De Moraes Silva.

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