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Outra face da violência no Maranhão – babaçuais maranhenses

babaçuais maranhenses

Outra face da violência no Maranhão. Folha de São Paulo. Tendências/Debates, 17/01/2014.

TEXTO COMPLETO: Folha de São Paulo

Maria Aparecida de Moraes Silva

Nos últimos dias os meios de comunicação têm veiculado, a partir do vídeo revelado pela Folha, as cenas macabras filmadas pelos próprios atores num presídio do Maranhão. Sem adentrar os aspectos da barbárie noticiados, relatarei alguns elementos resultantes de minha experiência de pesquisa na região dos babaçuais maranhenses –particularmente nos municípios de Codó, Timbiras e Coroatá, em 2007, ocasião em que entrevistei muitos camponeses migrantes para o corte de cana em São Paulo.

Lá permaneci durante um mês e pude constatar a beleza da natureza constituída pelas palmeiras do babaçu, cujos frutos são a sobrevivência básica de milhares de pessoas. Conheci o trabalho das freiras da Pastoral da Criança, que adentram as matas por trilhas improvisadas levando a multimistura de alimentos a lugares ermos, contribuindo, assim, para salvar milhares de crianças da subnutrição crônica e da morte. Tive contato com a solidariedade mecânica (com teorizou Durkheim), definida pelas relações primárias entre vizinhos e parentes onde prevalece a ajuda mútua. Vi inúmeras vezes os filhos pedindo a benção aos pais e beijando suas mãos; conheci a troca costumeira de crianças entre os parentes em razão das dificuldades de sobrevivência, e presenciei a existência das duas mães, a biológica e aquela que cria, e também soube de muitos pais que “foram embora” e nunca mais voltaram.

Também vi e fotografei as cenas de outra barbárie: a destruição pelo fogo das palmeiras de babaçu, cujos cachos chegam a ter até 500 cocos, e que as lutas empreendidas há décadas pelo Movimento das Quebradeiras de Coco não conseguiram estancar. A “lei do coco livre”, em contraposição à “lei do coco preso”, não logrou impedir que milhões de palmeiras fossem queimados e arrancados por máquinas de grandes empresas pecuaristas que lá chegam e põem em prática outra lei, a do terreno limpo, sem floresta, sem animais e sem gente. A prática desta lei resultou na destruição das casas e roças de milho, arroz e mandioca de milhares de camponeses que eram posseiros ou pequenos parceiros de grandes fazendas.

Sob as ordens de jagunços armados –informação colhida nas entrevistas e também nos processos jurídicos do Fórum de Timbiras–, as famílias camponesas, atingidas pelo processo avassalador da transformação da floresta em pastagens para gado, não tiveram outro destino senão o das “pontas de rua” nas cidades próximas. Lá chegando, eles mesmos, após construírem suas casas com as folhas do babaçu, partem em busca de trabalho nos canaviais do centro sul ou são levados por traficantes de mão de obra para serem escravizados nas atividades de desmatamento, carvoaria e nas fazendas de pecuária no Maranhão ou em outros estados, sobretudo os da região norte do país. Na última lista suja sobre o trabalho escravo no Brasil (2013), publicada pelo “Repórter Brasil”, 32 empresas foram autuadas no Maranhão. No total, foram resgatados 425 trabalhadores em condições análogas à de escravos.

Ainda que seja louvável o papel desempenhado pelos agentes jurídicos e policiais, além das ONGs representantes dos direitos humanos no combate ao trabalho escravo, verifica-se que muitas das vítimas são reincidentes. Este fato me faz lembrar um depoimento prestado a mim, em 1988, no Vale do Jequitinhonha, Minas Gerais, quando perguntei a um jovem de 18 anos, que fora escravizado numa usina de cana em mato Grosso do Sul, se ele tinha conhecimento prévio da situação que vivenciaria. Ao responder afirmativamente, perguntei-lhe: Então, por que foste? “Para não deixar minha mãe morrer de fome”, respondeu-me.

De crianças e jovens dóceis, que beijam as mãos dos pais, pedindo-lhes a benção, às cenas de barbárie veiculadas, há um itinerário marcado pela espoliação dos pobres do campo, que são obrigados a ir para as cidades, o que precisa ser objeto de reflexão pela sociedade. Em outros termos, o que ocorre nas cidades (com suas prisões) não pode ser explicado sem o entendimento da situação social do campo.

MARIA APARECIDA DE MORAIS SILVA é professora livre-docente da UNESP (Universidade Estadual Paulista) e professora visitante do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos)

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TRAMA

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O Grupo TRAMA (Terra, Trabalho, Memória e Migração) dedica-se à pesquisa acadêmica e extensão. Está no PPGS da UFSCar, e é coordenado por Maria Ap De Moraes Silva.

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