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Um estudo sobre o pós/trabalho nos canaviais

pós/trabalho nos canaviais

Ceifando a cana… Tecendo a vida. Um estudo sobre o pós/trabalho nos canaviais.

Tese apresentada por Tainá Reis ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de São Carlos.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Aparecida de Moraes Silva

Financiamento: CNPq

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Resumo: O objetivo desta pesquisa foi compreender o pós/trabalho dos ex-cortadores de cana adoecidos, isto é, a nova trama de sociabilidade em que se emaranham. Para tanto, foi delineada uma metodologia de base qualitativa, com observação direta e assistemática, entrevistas de roteiro semiestruturado, fotodocumentação e registro em diário de campo. Os cortadores de cana são, em maioria, migrantes; muitos, depois de adoecidos, retornam à cidade natal. Por isso, o campo empírico dessa pesquisa é um local de origem desses sujeitos, o município de Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha/MG, lugar que contou com intenso fluxo migratório para os canaviais paulistas. Foram buscados além de cortadores de cana adoecidos, seus familiares e profissionais que atuam no atendimento desse público – médicos, assistentes sociais e psicólogos dos serviços de Assistência e Previdência Social e do SUS. O corte de cana é um trabalho desgastante física e emocionalmente, o que pode levar os trabalhadores ao adoecimento. São descartados pela agroindústria sucroalcooleira, pois seus corpos e mentes não aguentam mais o trabalho. Adoecem a tal ponto que perdem a capacidade laboral. Se, de acordo com a interpretação marxiana, o trabalho organiza a sociabilidade dos sujeitos, sua expressão capitalista – a venda da força de trabalho -, estabelece relações estranhadas, ainda mais numa situação de superexploração. O que, então, o adoecimento produz? Adoecido, o sujeito não tem mais a força de trabalho para trocar, mas permanece imerso em relações estranhadas. No pós/trabalho o estranhamento se aprofunda, pois as relações coisificadas permanecem, os trabalhadores entendem-se como mercadoria descartada. O descarte gera um sentimento de vergonha compartilhado entre os sujeitos. O cortador de cana adoecido busca no Estado os meios de garantir sua reprodução. As instituições do Estado cumprem o papel regulador na biopolítica, expressam o fazer viver e o deixar morrer. Os descartados da cana não se enquadram mais na norma do trabalho, isto é, não podem cumprir a função para qual foram docilizados: a de força de trabalho. Estabelecem uma nova sociabilidade com assistentes sociais, médicos e psicólogos dos órgãos da previdência e assistência social. Todo o funcionamento do Estado leva a crer que os descartados da cana passam a ser deixados a morrer – não só morte física, mas social -, não são mais vidas a ser geridas e controladas. A família é impactada nesse processo, não só pela perda de uma importante renda no orçamento, mas por repercutir sobre ela os resultados do estranhamento aprofundado. As mulheres – esposas e mães – tornam-se encarregadas pelo cuidado com esses homens adoecidos, lidando com as dificuldades que esse papel carrega. Numa sociedade patriarcal, à mulher é atribuído o cuidado, o que no caso das esposas e mães dos cortadores de cana é intensificado, na medida em que devem cuidar também desse adoecido. Aos homens, por outro lado, é atribuída a masculinidade, virilidade e força, naturalização que se fratura com o adoecimento. As relações de gênero se reorganizam, mas não com a inversão dos polos de poder. Os sujeitos não vivenciam passivamente nenhum desses processos, produzindo diferentes estratégias de resistência, linhas de escape às imposições apresentadas. O cortador de cana – migrante expropriado, força de trabalho superexplorada, ser genérico cindido – estabelece novas relações de sociabilidade no pós/trabalho por adoecimento. Desse modo, podemos afirmar que a sociabilidade capitalista se estende para fora do espaço-tempo de trabalho. Para a Sociologia do Trabalho, especificamente aos que debatem trabalho rural, é possível, a partir da presente reflexão, alargar o campo de estudos. O fim das relações de trabalho constitui, como visto no caso dos cortadores de cana descartados, uma outra sociabilidade vinculada exatamente ao espaço-tempo de trabalho, inaugura-se o pós/trabalho, tema não diferente, mas pertencente à Sociologia do Trabalho.

URI: https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/10328

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TRAMA

TRAMA

O Grupo TRAMA (Terra, Trabalho, Memória e Migração) dedica-se à pesquisa acadêmica e extensão. Está no PPGS da UFSCar, e é coordenado por Maria Ap De Moraes Silva.

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